O-DGI: a arte marcial que conecta físico e espiritual

Imagine trabalhar o corpo, cuidar da saúde física, só que dessa vez recebendo pílulas de autoconhecimento em exercícios de força e auto-observação? Mais do que isso, movimentos e posições que te conectam com a intuição e exigem presença, concentração e silêncio. O Despertar do Guerreiro Interno (O-DGI), prática desenvolvida por Fernando Belatto, tem nome auto-explicativo: trabalha o poder interno e externo de forma alinhada e totalmente conectada. Ferramenta do movimento Awaken LOVE, de Sri Prem Baba, mestre espiritual de Fernando, a prática chega a Inkiri Piracanga em forma de retiro em setembro.

Confira a entrevista que fizemos com o faixa-preta que, depois de ser competidor de sucesso por 10 anos, largou o jiu-jitsu e um tempo depois ressignificou sua arte marcial para o despertar da consciência amorosa.

Inkiri Piracanga: Depois de se afastar das artes marciais e da publicidade você entrou numa onda de plantar orgânicos e nessa fase, durante uma meditação você teve um clique, a ideia de unir artes marciais com auto-conhecimento. Você acha que esse foi o momento da descoberta do seu propósito? Qual foi a sensação? 

Fernando Belatto: Sim exatamente. A sensação foi a de sair uma tampa que estava fechando meu coração. Foi interessante porque num milésimo de segundo eu pude compreender muita coisa. Foi muito rápido esse insight, mas tive certeza de que estava no caminho certo. Nunca senti tanta certeza de que esse era o caminho. A sensação é a de que não tem outra coisa que eu possa fazer a não ser seguir esse caminho. E essa sensação nunca mais passou, abriu uma conexão que eu não tinha antes, é como uma tomada que ligou e não desliga mais. Isso me guia desde então. O O-DGI vem daí, dessa profunda intuição e não da mente.

Quais as conexões mais fortes entre as artes marciais e o autoconhecimento? 

Acredito que a arte marcial japonesa, que é um dos meus berços, traz vários caminhos do auto-conhecimento. Cada um tem uma força. Xintoísmo, Confucionismo, Taoismo e Zen Budismo são algumas linhas. Do Zen Budismo por exemplo vem muito a questão da presença, de estar atento ao que se faz: vale muito mais a ação do que ficar falando sobre ela. Daí vem muito a questão do silêncio também. Já o Confucionismo traz as virtudes e os valores e o Xintoísmo a ancestralidade, a conexão com as raizes da antiguidade da floresta e seus princípios culturais.

Então no geral a arte marcial honra muitos aspectos importantes e é isso que faz dela um caminho de autodesenvolvimento muito forte. Trabalho isso durante as práticas com as próprias éticas marciais, desde reverenciar o mestre, até a limpeza do ambiente e os fundamentos do autoconhecimento, nesse caso seguindo a sabedoria do meu mestre Sri Prem Baba, trazendo a parte da auto-observação das sombras. Tudo isso, sem “pisicologizar”, porque a arte marcial é um caminho enérgico, de estar con-CENTRADO e dai manter a conexão com a  sua essência. É isso que te leva a uma ação correta, de agir conectado com seu coração e não com a sua mente.

É uma técnica de guerra mesmo. Como um Samurai que consegue se deparar com a morte no campo de batalha e não perde o foco porque se ele perder o foco perde a batalha. Se eu me desespero nesse momento da “espada no pescoço” não vou lembrar da técnica e ai fica mais difícil de ganhar essa luta. Para estar conectado com a técnica é preciso encarar a “morte”, os desafios do dia a dia,  com uma certa equanimidade mental. Claro que hoje em dia não estamos no campo de batalha e não temos espadas em nossos pescoços, mas em relações energéticas as pessoas nos desafiam no mesmo nível. Muitas vezes a sensação é de como se tivéssemos uma espada prestes a cortar a nossa cabeça, com pessoas nos desafiando o tempo todo.

Tutu Lombardi, da Comunicação Inkiri, entrevista Fernando Belatto em São Paulo, antes de uma prática de O-DGI Open

E qual o papel do corpo nesse processo de auto-investigação? 

O corpo é nosso veículo, é onde o ser está encarnado e por meio do qual podemos ter muitas experiências. Essas experiências podem nos ajudar a despertar a lembrança de nós mesmos.

O toque físico mexe com o autodesenvolvimento do ser, é como a leitura corporal: se você tem sofrimento interno assume uma postura mais fechada, se você se sente pertencendo, se abre mais facilmente, então acredito que o corpo tem o papel dessa conexão entre os mundos interno e externo, é uma extensão do próprio ser para acontecer na matéria, ele vem cumprir o papel do ego como intermediador de mundos.

Acredito que se trabalharmos o corpo como um propósito e consciência bem definidos, ele é uma excelente ferramenta de auto desenvolvimento. Grandes mestres e psicólogos já trouxeram essa verdade há muito tempo, através da Bioenergética, do próprio Yoga. O Osho, por exemplo, sempre trabalhou muito com a movimentação de energia. A gente guarda muita coisa no corpo e não por acaso às vezes parece que estamos carregando o mundo nas costas, então movimentar a energia vital é muito importante. Colocar uma intenção de se livrar de sentimentos guardados através de um movimento de chute ou soco não é algo violento, pelo contrário, violento é guardar esse sentimento ou de fato chutar e socar alguém. É muito saudável movimentar isso com consciência. Então imagina que no O-DGI você faz movimentos de liberação de sentimentos como raiva através de um soco e um chute, mas você não está machucando ninguém, está fazendo um exercido de circulação de energia, que é uma forma de equilibrar esse masculino distorcido que está muitas vezes guardado, ou machucando muita gente. A partir dai, isso vai virando seu poder pessoal, o poder de transformar essa energia vira a sua real força.

Manter a presença é um grande tema e desafio do ser humano hoje em dia. Você acha que o O-DGI traz insights de presença e intuitivamente esse padrões se instalam na vida da pessoa ou é um exercício mental de lembrança constante? 

Acho que são degraus, acontece pouco a pouco. Se você pega o Yoga de Pantanjali, nos angas dele, ele começa com yama, nyama, ásanas, pránáyáma e depois vem uma parte mais sutil de pratyáhára, dháraná, dhyána e samádhi. Dháraná vem antes de dhyána e é concentração, dhyána é meditação, estado, então acredito que a presença se encontra aí e, de forma geral, podemos ter momentos de presença, de manter essa conexão com o nosso mestre interno, com a voz do coração. A dificuldade é sustentar isso e o que faz sentido pra mim é o treino mesmo, é como uma musculação da alma, da mesma forma que o corpo precisa treinar pra se manter saudável, a gente precisa também treinar essa lembrança.

Um dos ensinamentos do Prem Baba que me toca muito é justamente a respeito do minuto de silêncio, quando ele diz que mais importante que silenciar é a lembrança de silenciar. Lembrar de voltar pra si já é um lembrar de si mesmo, sabe? Conforme praticamos podemos sair do treino para o dia a dia com isso mais aceso na memória. Aos poucos fica mais natural até o ponto de transformar a vida da pessoa. Por que a presença te conecta muito com a sua intuição e ela vai te guiando no mundo de outra forma que não é mais só a mente impulsiva, reativa. Um dos pontos principais do O-DGI como ferramenta da auto transformação é essa janela que se abre para a lembrança da presença, quando estamos presentes agimos conscientemente e as ações conscientes estão sempre a serviço da paz.

Como aconteceu o apadrinhamento do O-DGI por Sri Prem Baba? 

Esse é um mistério que como ele diz é desvendado só pelo coração (risos). Sem dúvida ele é o Sensei, o grande mestre do O-DGI. Temos essa conexão marcial mesmo, do fundo do meu coração sinto que ele é meu mestre marcial. Ainda Janderson (nome que ele usava antes da sua iluminação), ele praticou muitas artes marciais até antes do yoga, começou a vida espiritual pela arte marcial por assistir Bruce Lee. Foi atrás do yoga para conseguir um melhor alongamento, chutar mais alto, quando então escutou um bhajan e a mensagem do Maharaji dizendo a ele para ir pra Índia com 33 anos. Então a arte marcial foi um berço pra ele.

Quando eu peguei a faixa preta, a arte marcial já não fazia mais sentido pra mim e foi ele quem intuitivamente me fez voltar. Quando eu trouxe a intuição O-DGI ele disse: “vai por aí, segue esse caminho”! Nesse processo percebi que existe outra arte marcial muito mais intuitiva e interna que vai além de dar chute e golpe, e quem sabe essa seja “a” verdadeira arte marcial, que é aquela em que o corpo está a serviço da autoconsciência, é o alinhar seu corpo pra lidar com suas guerras internas.

E é aí que pra mim o Prem Baba é um grande artista marcial, ele é um grande mestre da guerra, porque ele sabe sustentar a paz. Hoje em dia eu meço a grandiosidade do mestre marcial a partir da paz ele consegue sustentar. Por isso que ele é o grande mestre do O-DGI, eu ainda não sei sustentar a paz que ele sabe, é ele quem vai me dando em gotinhas esse conhecimento da arte da guerra. Nunca me esqueço em 2011 quando o O-DGI estava começando a chegar e e ele abriu o espaço do salão na Índia pra eu dar umas práticas: antes de ir embora fui conversar com ele e ele me falou coisas como se ele tivesse participado de todas as aulas. Ele não subiu no salão em nenhum momento, só que falou com um conhecimento próprio, de um mestre mesmo. Ele sabe mais do que eu sobre O-DGI, é por isso que é dele.

Na prática, como funciona o O-DGI? 

Existem 2 modalidades: o O-DGI Open que é um método moderno, inspirado em várias artes marciais, que não visa uma graduação externa, mas internamente eu acredito que sim. É você com seu mestre interno te conduzindo. Ela acaba sendo mais acessível porque não tem uma técnica que você precisa aprender. Os movimentos são intuitivos e servem pra despertar sua consciência guerreira naquele dia.

O-DGI Way, é a arte marcial tradicional, aqui na Escola temos já o Jiu-Jitsu por ser parte da minha caminhada. Jiu-Jitsu é tradição, é kimono e faixa branca. É de onde eu vim e o que me chancelou pra criar o O-DGI.

Para ambos não existe um tempo de duração, a arte marcial é atemporal e um artista marcial nunca é perfeito, tem sempre o que aperfeiçoar. Mas para algumas pessoas O-DGI pode ser apenas uma ferramenta temporária também.


Teremos a sorte de receber o retiro O-DGI em Inkiri Piracanga entre 6 e 19 de setembro. Clique na imagem ao lado para saber mais.

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